Caminhoneiros, greve e tabela de frete, essa é a solução?
No dia 19 de abril, portanto,
quatro dias antes da reunião das lideranças que representam a classe dos
caminhoneiros autônomos com representantes do governo federal, que aconteceu no
dia 22 do mesmo mês, eu disse que não acreditava no sucesso da aprovação de uma
tabela única de fretes para o país inteiro, independente do ponto de partida e
de destino das cargas.
Para minha surpresa, a não
aprovação foi em função de que, criar uma tabela de frete feria a Constituição
Brasileira, portanto, estava fora de questão.
Não sou advogado e tampouco
economista, mas, os mais de trinta anos em que trabalho e estudo o transporte
rodoviário de cargas permitem que eu tire as minhas conclusões, conforme abaixo
descrevo.
Frete é tarifa?
Segundo o Dicionário Michaelis, a
definição para tarifa é a seguinte:
“ta.ri.fa
sf (ár ta’rîfa) 1 Tabela de
direitos a que estão sujeitas as mercadorias importadas e exportadas. 2
Registro que indica o valor corrente da moeda. 3 Tabela que registra o valor ou
o preço de uma coisa. 4 Tabela dos
preços de transporte de cargas por qualquer via: Tarifa ferroviária,
rodoviária. 5 Tabela de valores cobrados por correspondência e volumes
remetidos pelo correio. 6 Catálogo de mercadorias, com preços correntes por
unidade ou espécie; lista de preços. Segundo a tarifa: segundo as praxes legais
ou o costume. T. pública: tarifa cobrada pelos serviços públicos, como
fornecimento de energia elétrica e água, correios etc.”.
Portanto, o frete do TRC é
tarifa, e isso não se discute, porém, não cabe ao Estado o controle de preços,
já que não se trata de serviço público, como o transporte coletivo, por
exemplo, cabendo ao mercado a definição dos valores, e nesse ponto, concordo com
os representantes do governo.
O ministro da Secretaria-Geral da
Presidência da República, Miguel Rossetto, afirmou logo após o encontro:
"A tabela impositiva está
descartada. Na nossa opinião, ela não dispõe de autorização constitucional e é
impraticável devido à enorme diferenciação de variáveis que envolvem a
atividade, como a qualidade do caminhão, da carga e das estradas". Completou
ainda o ministro, "Já a tabela
referencial que propomos está sendo construída com cuidado e deve servir como
referência para a formação de preços dos contratos de frete, garantindo o
equilíbrio dos contratos".
No dia 24 de abril, o Diário
Oficial da União publicou a resolução 4.681 da ANTT, que resolve regulamentar o
procedimento para divulgação de Parâmetros de referência para Cálculo dos
Custos de Frete do serviço de transporte rodoviário remunerado de cargas por
conta de terceiros.
A tabela apresentada pelos
representantes dos caminhoneiros é única, não importando o ponto de partida e o
destino da carga, o que, na minha modesta opinião, vai contra um dos pilares da
economia, a Lei da Oferta e Procura, portanto, é querer fazer com que a água
suba o morro ao invés de descer, não faz sentido.
O problema do PIB brasileiro
Um dos maiores problemas do
Brasil é a distribuição desigual do PIB, o que obriga o envio de grandes
volumes de mercadorias do Sul e Sudeste em direção ao Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, sem que existam os mesmos volumes em sentido inverso, causando
assim, um desequilíbrio de veículos, que muitas vezes, ficam dias parados a
espera de cargas, ou retornam com fretes que não cobrem os mais básicos custos.
Em 2.013, a distribuição do PIB
ficou conforme a tabela abaixo.
Região
|
Soma
de PIB (em bilhões de reais)
|
|
Centro-Oeste
|
395,00
|
9,56%
|
Nordeste
|
578,00
|
13,99%
|
Norte
|
194,50
|
4,71%
|
Sudeste
|
2.294,00
|
55,51%
|
Sul
|
671,00
|
16,24%
|
Total
Geral
|
4.132,50
|
100,00%
|
O Sul e Sudeste representam 71,75%
do PIB brasileiro, e as outras regiões, 28,25%.
Esta diferença fica ainda mais
agravada se levarmos em consideração que Sul e Sudeste representam apenas 17,63%
do território brasileiro, e as regiões restantes, 82,37% conforme tabela
abaixo.
Região
|
Território
|
%
|
Centro-Oeste
|
1.606.371
|
18,87%
|
Nordeste
|
1.554.257
|
18,25%
|
Norte
|
3.853.327
|
45,25%
|
Sudeste
|
924.511
|
10,86%
|
Sul
|
576.409
|
6,77%
|
Total
Geral
|
8.514.875,00
|
100,00%
|
Fonte: IBGE Brasil em números, 2011
|
Devemos ainda levar em
consideração que na região Centro-Oeste, grande parte de seu PIB é formado pelo
agronegócio, já que a região produz 41% dos grãos brasileiros, que são escoados
parte por transporte ferroviário, e parte por caminhões graneleiros, que muitas
vezes trabalham com ciclo perfeito, levando adubo ou fertilizantes em um
sentido e voltando com grãos no outro, deixando parados os baús, necessários
para o transporte de alimentos dos estados do Sul e Sudeste para a região.
Na região Norte, a exceção é o
Estado do Amazonas, que tem o ciclo invertido em função da Zona Franca de
Manaus, já que, devido a sua baixa densidade demográfica, exige pouca carga
saída do Sul e Sudeste e necessita de grande volume de caminhões, sobretudo
baús, saindo em direção às outras regiões. Já o Pará tem seu PIB reforçado em
função da produção de minério de ferro, que é movimentado exclusivamente pelo
modal ferroviário, sendo comum, caminhões ficarem dias parados aguardando
carga. Os outros estados da região também apresentam sérios problemas de desequilíbrio
no TRC.
Na minha visão, o maior problema
são os estados do Nordeste, cuja população passa dos 50 milhões e dia a dia
aumenta sua renda, exigindo cada vez mais volume seguindo para a região, sem
que as cargas oriundas daquela região cresçam na mesma proporção.
Problema insolúvel?
Entendo que a tabela apresentada pelos
caminhoneiros peca em alguns aspectos:
Não é concebível existir um preço
único para o frete em qualquer origem e destino, seja em toneladas, número de
eixos ou km rodado. Esta prática tornaria muitos negócios inviáveis, sobretudo
nos estados do Nordeste e Norte, que só conseguem sobreviver vendendo parte de
sua produção para o Sul e Sudeste, aproveitando o retorno dos veículos. Pode
parecer pouco, mas uma quebradeira de pequenos negócios na região causaria uma
séria baixa nos postos de trabalho e consequentemente, na renda.
Por outro lado, entendo que uma
tabela, desde que bem feita, serviria de referencia para a maioria esmagadora
dos autônomos, os mais prejudicados. Esta tabela deve considerar origem e
destino para, a partir destas informações, compor o valor referenciado, portanto,
o valor deve cobrir os custos e proporcionar lucro, já que é impossível
trabalhar de graça, mas, é preciso mais, é preciso trabalhar em 3 frentes.
Cabe ao Estado:
Renovar a frota com urgência, com
juros subsidiados com longos prazos de pagamento e primeira parcela somente
seis meses após recebimento do veículo e implemento. O BNDES existe para
impulsionar negócios dentro do Brasil, e o transporte deve ser levado a sério.
A idade média da frota nas mãos dos autônomos é superior a 17 anos, e quanto
mais velho é o veículo, maior o custo para mantê-lo rodando, portanto, os mais
velhos devem receber o benefício primeiro.
A ANTT deve rever todos os
registros de TAC. Entendo que TAC deve ser dado somente para autônomos, portanto,
só é possível ser autônomo quando se tem um único veículo e o motorista é o
proprietário. Somente deveria ser concedido um registro de TAC por CPF. Se um
único CPF tem vários registros de TAC, deve obriga-lo a migrar para ETC, com
todas as obrigações, fiscais e trabalhistas, é preciso deixar claro, TAC é TAC
e ETC é ETC.
Ministério do Trabalho deve criar
meios de fiscalizar a falta de registro em CTPS dos trabalhadores no TRC,
principalmente os que dirigem veículos com registro de TAC na ANTT e não são os
donos destes veículos.
Somente conceder novos registros
para transportadores se o interessado provar que tem conhecimento técnico para
exercer atividade no setor. Não é possível alguém, que nunca trabalhou no
setor, ganhar um capital e resolver que vai “comprar um caminhão”. Normalmente,
este tipo de atitude provoca séria queda nos valores de frete. É preciso
profissionalizar o setor com urgência.
Fazer com que a Lei nº 10.209, ou
Lei do Vale Pedágio seja cumprida. O Estado não pode ser omisso nesta questão.
Se o Estado é ativo para fiscalizar o que o onera, deve ser também ativo para
fiscalizar o que onera o trabalhador.
Criação de cursos técnicos de
ensino médio públicos, para a formação de Técnicos na Condução de Veículos de
Transporte, preparando jovens para se tornarem futuros gestores na condução de
veículos de cargas. Matérias como: mecânica, educação no trânsito, legislação
de trânsito, primeiros socorros, noções de projeto geométrico de rodovias,
pesos e capacidade de veículos de carga, cidadania, física aplicada a veículos
de grande porte, legislação fiscal e tantas outras necessárias para os
profissionais do setor, inclusive, subsidiando sua CNH.
Incentivo a abertura de
indústrias nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sobretudo as de
transformação de produtos do agronegócio.
Recuperação imediata da malha
rodoviária, fiscalização do excesso de peso e da jornada de trabalho, incentivo
à iniciativa privada para criação e manutenção de espaços de descanso,
desassociados dos postos de abastecimentos ao longo das rodovias, com controle
de entrada de veículos e pessoas, prestação de serviços diversos e com cobrança
de valores viáveis.
Cabe aos autônomos:
Conhecerem os custos fixos e
variáveis dos seus veículos, não aceitarem cargas se os valores dos fretes não
permitirem lucro, cobrarem o cumprimento da Lei 10.209, não carregarem excesso
de peso, cumprirem a jornada de trabalho legal, não usarem drogas, álcool ou
substâncias ilegais antes ou durante a jornada de trabalho, dirigirem com
cautela e defensivamente, protegerem os veículos de menor porte, cumprirem a
lei e cobrarem as autoridades.
Cabe aos empresários:
Pagarem valores justos aos
agregados ou outros transportadores que carreguem em suas empresas, não
sonegarem impostos, incentivarem seus empregados ao cumprimento das leis,
pagarem valores justos de salários, cobrarem as autoridades e incentivarem a
cultura.
Entendo que simplesmente criar
tabelas é relativamente fácil, difícil é preparar o TRC para o futuro,
portanto, trabalhadores, empresários e Estado precisam se unir para que, em 5
ou 6 anos, o Brasil possa viver realidade diferente da que vivemos hoje.
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