quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Sonho das áreas de descanso - Publicado em Rodovia Brasil Caminhoneiro edição 17

João já estava dirigindo por 18 horas seguidas, parando somente cerca de 30 minutos para almoçar.
Como já passava das 21h00, João resolveu parar no próximo posto para tomar um banho, comer alguma coisa e dormir por algumas horas.
Ele sabia que encontrar lugar para encostar a carreta seria tarefa difícil, já que muitos paravam antes do anoitecer, lotando os pátios dos postos.
Ele sabia também que havia um grande posto a alguns quilômetros a frente, e seria exatamente lá que ele tentaria a sorte.
De longe ele avistou o totem do posto e João se sentiu animado. Ligou a seta a direita, sinalizando sua intenção de sair da pista.
Metros depois notou que o único lugar disponível seria na entrada, fazendo com que parte da carreta ficasse no acostamento. Melhor assim pensou João, pela manhã bastaria uma pequena manobra e ele conseguiria sair, e de quebra ficaria livre do pagamento da estadia.
Mesmo sabendo que estaria sujeito a multa, João encostou, pegou sua toalha, sabonete, escova de dente e seguiu para o banheiro. Poucos metros antes de entrar, João viu o aviso, escrito com letras vermelhas em uma tabuleta branca, banho R$10,00.
João sabia que era caro, mas, naquela altura, fazer o que? O jeito era pagar. Tomou banho e seguiu direto para o restaurante, esperando, pelo menos, encontrar algo decente para comer. Sentou-se a mesa, chamou a garçonete, que já chegou avisando que depois das 21h00 só estava disponível o prato feito, que era composto de arroz, feijão, carne assada, macarrão e salada, e que custava R$18,00.
João pediu o prato feito e o devorou, apesar de que estava quase frio e a carne estava dura e seca, acompanhado de uma cerveja. Pagou a conta, foi para a cabine, puxou as cortinas e quase instantaneamente pegou no sono e sonhou...
Naquele sonho, João dirigia por uma estrada muito bem cuidada, e logo adiante havia uma praça de pedágio. João encostou na cabine e pegou o cartão vale pedágio que a empresa lhe entregou juntamente com o recibo de adiantamento de frete, cujo valor foi depositado na sua conta corrente. A mocinha que estava na cabine pegou o cartão, passou na máquina e emitiu o recibo, que entregou ao João juntamente com o cartão. João pensou que era muito bom andar por uma estrada tão bem cuidada e poder pagar o pedágio sem burocracia, e o melhor, pago pelo embarcador.
João continuou sua jornada, e depois de alguns minutos recebeu um aviso pelo rastreador que sua jornada de trabalho encerraria em 30 minutos, pois ele já havia dirigindo às 8 horas regulares e a 1h30 extra que a nova Lei dos Caminhoneiros  permitia, e a parada era obrigatória.  Como o rastreador era combinado com GPS, João não precisava fazer qualquer anotação, já que o controle das paradas era feito automaticamente, assim como as sugestões dos locais de parada. Apesar de nunca ter passado por esta estrada, o GPS informou ao João que havia uma área de descanso 20 quilômetros a frente.
João percorreu a distância, e de longe avistou o totem da empresa que administrava a área de descanso. João sinalizou a intenção de sair da pista, entrou a direita e encostou na entrada da área. Haviam cabines que registravam a entrada de todos os veículos, sendo obrigatória a apresentação dos documentos do veículo, dos motoristas e acompanhantes se fosse o caso.
Rapidamente o rapaz da cabine digitou os dados de João no computador, digitalizou seus documentos, pegou o cartão do banco de João, introduziu em uma máquina e perguntou a João se o pagamento seria efetuado no crédito ou no débito. João preferiu o débito, digitou sua senha e recebeu de volta seu cartão, os documentos juntamente com o recibo e a indicação do lugar destinado à carreta do João.
Como o pátio era muito bem sinalizado, João encontrou o lugar sem dificuldades, encostou a carreta no lugar determinado, pegou sua toalha, sabonete e escova de dente e desceu da cabine.
Aquela área de descanso, além de ampla, era segura, já que somente os funcionários podiam ter acesso as áreas internas, e todos estavam identificados por crachás.
João chegou ao banheiro, escolheu um box e tomou seu banho, cujo valor já estava incluído no valor pago na entrada. O banheiro era absolutamente limpo e o chuveiro permitia um banho reconfortador.
João saiu do banho, e conectou seu celular a rede Wi-Fi com acesso a internet de alta velocidade, verificou seus e-mails e mandou uma mensagem para sua mulher via Facebook.
João voltou para a carreta, pegou algumas roupas que estavam sujas e se dirigiu a lavanderia, cujo uso também estava incluído no preço de pernoite. Lavou e secou suas roupas e as levou de volta a carreta.
Foi para o restaurante 24 horas, e se serviu no buffet de arroz, feijão, batatas cozidas, bife enrolado e salada. Ao sentar a mesa, uma garçonete perguntou a João o que ele iria beber. João escolheu um suco de manga, já que bebidas alcoólicas não eram vendidas por ali.
Terminado o jantar, João passou pela sala de TV, de jogos e pela academia de ginástica, que contava com uma série de aparelhos e instrutores 24 horas.
Naquela área também estavam disponíveis borracharia, oficina mecânica, loja de acessórios, mini mercado e barbearia, que cobravam preços justos, pois ninguém queria explorar quem sustenta todos os que ali trabalham, os caminhoneiros.
Enfermaria e médico também estavam disponíveis e aptos a atenderem emergências, inclusive com ambulância UTI 24 horas.
João caminhou um pouco pelas áreas internas e resolveu dormir. Se dirigiu a sua carreta e notou o sistema de câmeras, que registravam toda a movimentação, e os seguranças em pontos estratégicos. Notou também a alta cerca, com alta tensão, que impedia qualquer tentativa de invasão externa.
João entrou na cabine, puxou as cortinas e dormiu sem preocupações, já que ele estava seguro.
João acordou um pouco zonzo com alguém batendo na porta de seu caminhão, puxou a cortina e deu de cara com um policial. Abriu a janela, cumprimentou o policial que lhe entregou uma multa, João acabava de ser multado por estacionar parte da carreta no acostamento.
João ainda tentou conversar com o policial, mas não teve acordo. Foi ao banheiro, lavou o rosto, escovou os dentes, voltou ao seu caminhão e iniciou a viagem sem sequer tomar um café, pensando como seria bom se seu sonho fosse realidade e naquela maldita multa...
Quem sabe um dia João...

Proteção divina povo da estrada, grande abraço, nos encontramos na próxima edição.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Caminhoneiros, greve e tabela de frete, essa é a solução?

No dia 19 de abril, portanto, quatro dias antes da reunião das lideranças que representam a classe dos caminhoneiros autônomos com representantes do governo federal, que aconteceu no dia 22 do mesmo mês, eu disse que não acreditava no sucesso da aprovação de uma tabela única de fretes para o país inteiro, independente do ponto de partida e de destino das cargas.
Para minha surpresa, a não aprovação foi em função de que, criar uma tabela de frete feria a Constituição Brasileira, portanto, estava fora de questão.
Não sou advogado e tampouco economista, mas, os mais de trinta anos em que trabalho e estudo o transporte rodoviário de cargas permitem que eu tire as minhas conclusões, conforme abaixo descrevo.

Frete é tarifa?

Segundo o Dicionário Michaelis, a definição para tarifa é a seguinte:
“ta.ri.fa
sf (ár ta’rîfa) 1 Tabela de direitos a que estão sujeitas as mercadorias importadas e exportadas. 2 Registro que indica o valor corrente da moeda. 3 Tabela que registra o valor ou o preço de uma coisa. 4 Tabela dos preços de transporte de cargas por qualquer via: Tarifa ferroviária, rodoviária. 5 Tabela de valores cobrados por correspondência e volumes remetidos pelo correio. 6 Catálogo de mercadorias, com preços correntes por unidade ou espécie; lista de preços. Segundo a tarifa: segundo as praxes legais ou o costume. T. pública: tarifa cobrada pelos serviços públicos, como fornecimento de energia elétrica e água, correios etc.”.
Portanto, o frete do TRC é tarifa, e isso não se discute, porém, não cabe ao Estado o controle de preços, já que não se trata de serviço público, como o transporte coletivo, por exemplo, cabendo ao mercado a definição dos valores, e nesse ponto, concordo com os representantes do governo.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, afirmou logo após o encontro:
"A tabela impositiva está descartada. Na nossa opinião, ela não dispõe de autorização constitucional e é impraticável devido à enorme diferenciação de variáveis que envolvem a atividade, como a qualidade do caminhão, da carga e das estradas". Completou ainda o ministro,  "Já a tabela referencial que propomos está sendo construída com cuidado e deve servir como referência para a formação de preços dos contratos de frete, garantindo o equilíbrio dos contratos".
No dia 24 de abril, o Diário Oficial da União publicou a resolução 4.681 da ANTT, que resolve regulamentar o procedimento para divulgação de Parâmetros de referência para Cálculo dos Custos de Frete do serviço de transporte rodoviário remunerado de cargas por conta de terceiros.
A tabela apresentada pelos representantes dos caminhoneiros é única, não importando o ponto de partida e o destino da carga, o que, na minha modesta opinião, vai contra um dos pilares da economia, a Lei da Oferta e Procura, portanto, é querer fazer com que a água suba o morro ao invés de descer, não faz sentido.

O problema do PIB brasileiro

Um dos maiores problemas do Brasil é a distribuição desigual do PIB, o que obriga o envio de grandes volumes de mercadorias do Sul e Sudeste em direção ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sem que existam os mesmos volumes em sentido inverso, causando assim, um desequilíbrio de veículos, que muitas vezes, ficam dias parados a espera de cargas, ou retornam com fretes que não cobrem os mais básicos custos.

Em 2.013, a distribuição do PIB ficou conforme a tabela abaixo.

Região
Soma de PIB (em bilhões de reais)
%
Centro-Oeste
395,00
9,56%
Nordeste
578,00
13,99%
Norte
194,50
4,71%
Sudeste
2.294,00
55,51%
Sul
671,00
16,24%
Total Geral
4.132,50
100,00%

O Sul e Sudeste representam 71,75% do PIB brasileiro, e as outras regiões, 28,25%.
Esta diferença fica ainda mais agravada se levarmos em consideração que Sul e Sudeste representam apenas 17,63% do território brasileiro, e as regiões restantes, 82,37% conforme tabela abaixo.

Região
Território
%
Centro-Oeste
1.606.371
18,87%
Nordeste
1.554.257
18,25%
Norte
3.853.327
45,25%
Sudeste
924.511
10,86%
Sul
576.409
6,77%
Total Geral
8.514.875,00
100,00%
Fonte: IBGE Brasil em números, 2011

Devemos ainda levar em consideração que na região Centro-Oeste, grande parte de seu PIB é formado pelo agronegócio, já que a região produz 41% dos grãos brasileiros, que são escoados parte por transporte ferroviário, e parte por caminhões graneleiros, que muitas vezes trabalham com ciclo perfeito, levando adubo ou fertilizantes em um sentido e voltando com grãos no outro, deixando parados os baús, necessários para o transporte de alimentos dos estados do Sul e Sudeste para a região.
Na região Norte, a exceção é o Estado do Amazonas, que tem o ciclo invertido em função da Zona Franca de Manaus, já que, devido a sua baixa densidade demográfica, exige pouca carga saída do Sul e Sudeste e necessita de grande volume de caminhões, sobretudo baús, saindo em direção às outras regiões. Já o Pará tem seu PIB reforçado em função da produção de minério de ferro, que é movimentado exclusivamente pelo modal ferroviário, sendo comum, caminhões ficarem dias parados aguardando carga. Os outros estados da região também apresentam sérios problemas de desequilíbrio no TRC.
Na minha visão, o maior problema são os estados do Nordeste, cuja população passa dos 50 milhões e dia a dia aumenta sua renda, exigindo cada vez mais volume seguindo para a região, sem que as cargas oriundas daquela região cresçam na mesma proporção.

Problema insolúvel?

 Entendo que a tabela apresentada pelos caminhoneiros peca em alguns aspectos:
Não é concebível existir um preço único para o frete em qualquer origem e destino, seja em toneladas, número de eixos ou km rodado. Esta prática tornaria muitos negócios inviáveis, sobretudo nos estados do Nordeste e Norte, que só conseguem sobreviver vendendo parte de sua produção para o Sul e Sudeste,  aproveitando o retorno dos veículos. Pode parecer pouco, mas uma quebradeira de pequenos negócios na região causaria uma séria baixa nos postos de trabalho e consequentemente, na renda.
Por outro lado, entendo que uma tabela, desde que bem feita, serviria de referencia para a maioria esmagadora dos autônomos, os mais prejudicados. Esta tabela deve considerar origem e destino para, a partir destas informações, compor o valor referenciado, portanto, o valor deve cobrir os custos e proporcionar lucro, já que é impossível trabalhar de graça, mas, é preciso mais, é preciso trabalhar em 3 frentes.

Cabe ao Estado:

Renovar a frota com urgência, com juros subsidiados com longos prazos de pagamento e primeira parcela somente seis meses após recebimento do veículo e implemento. O BNDES existe para impulsionar negócios dentro do Brasil, e o transporte deve ser levado a sério. A idade média da frota nas mãos dos autônomos é superior a 17 anos, e quanto mais velho é o veículo, maior o custo para mantê-lo rodando, portanto, os mais velhos devem receber o benefício primeiro.
A ANTT deve rever todos os registros de TAC. Entendo que TAC deve ser dado somente para autônomos, portanto, só é possível ser autônomo quando se tem um único veículo e o motorista é o proprietário. Somente deveria ser concedido um registro de TAC por CPF. Se um único CPF tem vários registros de TAC, deve obriga-lo a migrar para ETC, com todas as obrigações, fiscais e trabalhistas, é preciso deixar claro, TAC é TAC e ETC é ETC.
Ministério do Trabalho deve criar meios de fiscalizar a falta de registro em CTPS dos trabalhadores no TRC, principalmente os que dirigem veículos com registro de TAC na ANTT e não são os donos destes veículos.
Somente conceder novos registros para transportadores se o interessado provar que tem conhecimento técnico para exercer atividade no setor. Não é possível alguém, que nunca trabalhou no setor, ganhar um capital e resolver que vai “comprar um caminhão”. Normalmente, este tipo de atitude provoca séria queda nos valores de frete. É preciso profissionalizar o setor com urgência.
Fazer com que a Lei nº 10.209, ou Lei do Vale Pedágio seja cumprida. O Estado não pode ser omisso nesta questão. Se o Estado é ativo para fiscalizar o que o onera, deve ser também ativo para fiscalizar o que onera o trabalhador.
Criação de cursos técnicos de ensino médio públicos, para a formação de Técnicos na Condução de Veículos de Transporte, preparando jovens para se tornarem futuros gestores na condução de veículos de cargas. Matérias como: mecânica, educação no trânsito, legislação de trânsito, primeiros socorros, noções de projeto geométrico de rodovias, pesos e capacidade de veículos de carga, cidadania, física aplicada a veículos de grande porte, legislação fiscal e tantas outras necessárias para os profissionais do setor, inclusive, subsidiando sua CNH.
Incentivo a abertura de indústrias nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sobretudo as de transformação de produtos do agronegócio.
Recuperação imediata da malha rodoviária, fiscalização do excesso de peso e da jornada de trabalho, incentivo à iniciativa privada para criação e manutenção de espaços de descanso, desassociados dos postos de abastecimentos ao longo das rodovias, com controle de entrada de veículos e pessoas, prestação de serviços diversos e com cobrança de valores viáveis.

Cabe aos autônomos:

Conhecerem os custos fixos e variáveis dos seus veículos, não aceitarem cargas se os valores dos fretes não permitirem lucro, cobrarem o cumprimento da Lei 10.209, não carregarem excesso de peso, cumprirem a jornada de trabalho legal, não usarem drogas, álcool ou substâncias ilegais antes ou durante a jornada de trabalho, dirigirem com cautela e defensivamente, protegerem os veículos de menor porte, cumprirem a lei e cobrarem as autoridades.

Cabe aos empresários:

Pagarem valores justos aos agregados ou outros transportadores que carreguem em suas empresas, não sonegarem impostos, incentivarem seus empregados ao cumprimento das leis, pagarem valores justos de salários, cobrarem as autoridades e incentivarem a cultura.

Entendo que simplesmente criar tabelas é relativamente fácil, difícil é preparar o TRC para o futuro, portanto, trabalhadores, empresários e Estado precisam se unir para que, em 5 ou 6 anos, o Brasil possa viver realidade diferente da que vivemos hoje.